AVALIAÇÃO INICIAL DO ALCANCE E ALGUNS EFEITOS DA MEDIDA OBJETIVANDO A GESTÃO (COM ALTERAÇÃO PELA MP 928/2020)
Conforme já esperado por todos, o governo editou a medida provisória nº 927/2020, que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), com o fundamento que opinamos a respeito (força maior, artigo 501 da CLT).
As regras se aplicam aos contratos CLT urbanos, rural, temporários, domésticos, estagiários e aprendizes (no que se refere ao teletrabalho), durante o estado de calamidade pública, mas por ser medida provisória tem validade por 120 dias e precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional.
É muito importante estar atento a esse prazo. Caso não seja aprovada os atos praticados serão válidos se praticados dentro de sua vigência e não poderão sofrer alteração (artigo 62, §11 da Constituição Federal 1988).
Para aplicação das disposições da medida provisória, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, sem necessidade de interveniência sindical, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, tendo preponderância sobre os demais atos legais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição e da própria medida.
Apesar da norma analisada ter previsto uma saída gravosa de suspensão de contrato de trabalho por 120 dias, sem pagamento de salário, nota-se de antemão ausência de uma saída intermediária, a exemplo, redução proporcional de jornada e salário a um limite máximo de 50% e observado pagamento de 1 salário mínimo. Para isso dever-se-á iniciar uma negociação sindical via acordo coletivo.
Segue avaliação inicial dos principais pontos tratados pela medida provisória.
Para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes medidas:
I – o teletrabalho;
II – a antecipação de férias individuais;
III – a concessão de férias coletivas;
IV – o aproveitamento e a antecipação de feriados;
V – o banco de horas;
VI – a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;
VII – o direcionamento
do trabalhador para qualificação; (Revogado MP 928/2020) e
VIII – o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.
Teletrabalho (para empregados, estagiários e aprendizes): poderá ser feito durante o estado de calamidade pública, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho. Deve-se proceder com aviso de 48 horas ao empregado para início. Caso o colaborador não tenha equipamento / conexão disponíveis deve-se providenciar o fornecimento.
Na omissão, poderão ocorrer pedidos indenizatórios daqueles que usaram equipamentos próprios e nessa hipótese deve-se ir além da medida provisória e estabelecer as condições do teletrabalho via aditamento ao contrato de trabalho (artigo 75-D da CLT).
Antecipação de Férias Individuais: Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador informará ao empregado sobre a antecipação de suas férias com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico, com a indicação do período a ser gozado pelo empregado, para gozo de período mínimo de 5 dias e independentemente de período aquisitivo. Na área da saúde poderá haver suspensão de férias e licenças não remuneradas.
Poderá também haver negociação sobre antecipação de períodos futuros (deve-se fazer acordo individual).
O empregador poderá optar por fazer o pagamento do terço de férias após sua concessão até a data em que é devida a gratificação natalina prevista . O pagamento das férias poderá ser feito até o 5º dia útil do mês seguinte ao início do gozo.
Férias Coletivas: Durante o estado de calamidade pública, o empregador poderá, a seu critério, conceder férias coletivas e deverá notificar o conjunto de empregados afetados com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, não aplicáveis o limite máximo de períodos anuais e o limite mínimo de dias corridos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943.
Os empregadores poderão antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais e deverão notificar, por escrito ou por meio eletrônico, o conjunto de empregados beneficiados com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, mediante indicação expressa dos feriados aproveitados.
Banco de Horas: Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, ficam autorizadas a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
A compensação de tempo para recuperação do período interrompido poderá ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, que não poderá exceder dez horas diárias.
A compensação do saldo de horas poderá ser determinada pelo empregador independentemente de convenção coletiva ou acordo individual ou coletivo.
Aconselha-se a formalização dessa prática imediatamente para os casos elegíveis.
Suspensão de Exigências Administrativas de Segurança e Saúde no Trabalho
A medida provisória prevê ainda dispensa de realização de exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto demissionais, treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados.
Aconselha-se ouvir especificamente o médico do trabalho sobre os casos em que a prorrogação poderá trazer prejuízos futuros ao colaborador e à empresa.
Direcionamento
do Empregado para Qualificação (Revogado MP 928/2020)
Durante o
estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o contrato de
trabalho poderá ser suspenso, pelo prazo de até quatro meses, para participação
do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial
oferecido pelo empregador, diretamente ou por meio de entidades responsáveis
pela qualificação, com duração equivalente à suspensão contratual.
A suspensão ora tratada:
I – não
dependerá de acordo ou convenção coletiva;
II – poderá ser
acordada individualmente com o empregado ou o grupo de empregados; e
III – será
registrada em carteira de trabalho física ou eletrônica.
Durante a suspensão, o empregador não precisará pagar salário, mas
poderá conceder ao empregado ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial,
durante o período de suspensão contratual, com valor definido livremente entre
empregado e empregador, via negociação individual. Os benefícios voluntariamente
concedidos pelo empregador, que não integrarão o contrato de trabalho.
Trata-se de uma medida dura que precisa ser habilmente dosada como
alternativa última à demissão, com formalização específica.
Adiamento para recolhimento do FGTS
A MP prevê ainda a suspensão da exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente, independentemente do número de empregados, regime de tributação, natureza da empresa, ramo ou adesão prévia.
O recolhimento das competências de março, abril e maio de 2020 poderá ser realizado de forma parcelada, sem a incidência da atualização, da multa e dos encargos. O pagamento das obrigações referentes às competências será quitado em até seis parcelas mensais, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020.
Para usufruir da prerrogativa prevista, o empregador fica obrigado a declarar as informações, até 20 de junho de 2020
OUTRAS DISPOSIÇÕES
Por fim, a norma ainda coloca à disposição outras medidas que poderão ser úteis em alguns setores mais demandados:
I – prorrogar a jornada de trabalho;
II – adotar escalas de horas suplementares entre a décima terceira e a vigésima quarta hora do intervalo interjornada.
III- As horas suplementares computadas em decorrência dos itens anteriores poderão ser compensadas, no prazo de dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública, por meio de banco de horas ou remuneradas como hora extra.
Sem dúvida um dispositivo legal excepcional, em um período sem precedente na história mais recente de quebra na cadeia produtiva, no qual o senso administrativo será preponderante para dosar os instrumentos acima de forma a manter as linhas de trabalho em patamares sustentáveis e oportunidade para se repensar as estratégias corporativas e o mercado futuro.
Ressalva-se, por fim, que o foco deste artigo é a aplicação prática da norma e sua interpretação, sem ingressar no mérito de constitucionalidade ou opinião do que possivelmente será ou não validado pela Casa Legislativa.
Por: Márcio Valentir Ugliara e Equipe de Direito do Trabalho da Valentir Advogados