Carlos Vicente Coutinho Neto*
Encontramos preocupação reinante com o aspecto temporal da atuação jurisdicional desde a Antiguidade: na mitologia nórdica, Forseti – filho de Balder, o Justo – era deus da justiça, e vivia num palácio de ouro. Sempre que havia alguma disputa entre dois deuses, eles compareciam à presença de Forseti buscando o julgamento. Às vezes, ele falava tanto que os deuses aceitavam suas decisões por puro tédio…
Entre os gregos, a famigerada Têmis – que se tornaria símbolo do Direito – mantinha-se cega para manter a isonomia e carregava a espada do poder coercitivo estatal, equilibrada com a balança da equidade. Todavia, o interessante é que, como se observa na “Genealogia dos Deuses” de Hesíodo, Têmis era filha do Caos, irmã da Noite(Nyx) e da Morte (Tânatos). Em seu impulso civilizatório, os helênicos, mais tarde, atribuíram a tutela jurisdicional suprema a Zeus, o rei dos deuses, mais impetuoso, o qual era também responsável pelo trovão e havia assassinado seu pai, o tirânico Cronos, donde se conclui o caráter sumário de suas decisões.
A cristandade medieval observou, outrossim, o princípio da celeridade processual, a seu modo. Os acusados, imersos num lago ou rio, tinham a chance de salvar a si mesmos a nado. Os exaustos morriam afogados, “não tendo sido, portanto, salvos por Deus, e, logo, eram culpados”.
Mais adiante, com a contínua evolução do Direito Natural, defendidas sucessivas teses acerca de sua existência, manutenção e positivação, atingindo inclusive o cerne das mais diferentes constituições a partir da Independência Norte-Americana e da Revolução Francesa, passamos a observar o princípio da celeridade equiparado (mas na verdade subjugado) a outros princípios, tais como o da presunção de inocência e o do due process of law.
O Processo Civil surgiu como ciência autônoma em meados do século XIX, momento histórico em que o pensamento científico estava inserido no ideal do liberalismo, cujo cerne era marcado pelo brocardo laissez faire, laissez passer, com o Estado se abstendo de intervir nas relações humanas, atuando apenas para garantir e tutelar a liberdade, a propriedade e a iniciativa econômica. Era o Estado mínimo. Assim, para o sucesso do liberalismo capitalista, fazia-se necessária a figura inerte dos juízes, cuja função se restringia à aplicação lógica da jurisdição, sem quaisquer poderes para intervir na relação litigiosa.
A própria tripartição clássica dos poderes de Montesquieu incentivou tal reserva e distanciamento, por parte do Judiciário, em relação à realidade social, uma vez que cabia ao magistrado a função precípua do cumprimento das leis, pura e simplesmente, sem contudo legar-se-lhe a competência de interpretá-las e adequá-las ao concretismo dos fatos.
Resumindo, a doutrina clássica, sem se dar conta do distanciamento do processo em relação ao direito material, passou a entender que somente a sentença declaratória de mérito, fundada em cognição plena e exauriente, resolveria completamente o litígio, sendo, portanto, os juízos de cognição sumária de natureza provisória e excepcional.
Ocorre que esse padrão procedimental tornou-se insuficiente e inadequado às exigências de uma sociedade de massas que logrou enorme progresso durante o século XX, com o encurtamento das distâncias, modernização das comunicações, que culminaram na instantaneidade das relações inter-humanas, provocando uma transformação sociocultural sem precedentes na história, exigindo um processo mais célere, a fim de compor os “novos litígios” que não podem se sujeitar à morosidade do procedimento ordinário, trazendo à tona sua limitação e, mais que isso, sua superação.
Destarte, os provimentos fundados em tutelas de urgência e juízos de verossimilhança foram grandes inovações científicas na seara do processo civil, em combate à lentidão, inadequação e superação do procedimento ordinário como rito padrão. E isto é extremamente necessário, já que o processo não é somente um instrumento técnico, mas, máxime, ético e político.
O procedimento ordinário, baseado quase que exclusivamente no postulado da segurança jurídica, faz com que seja suscitada a desigualdade das partes na relação processual, uma vez que o ônus da demora do processo recai exclusivamente sobre o autor. Foi neste contexto e com tal preocupação que proliferou o afinco excessivo à forma e suas consequências imediatas – impunidade, insegurança jurídica, inadimplemento contratual, crises de cunho econômico e social, etc.
O processo tornou-se excessivamente formalista, preterindo a celeridade em detrimento da segurança, entendendo-se a demora do processo como um mal necessário à cognição definitiva do direito, havendo um afastamento da ciência processual em relação ao que se passa na realidade social, promovendo uma inquietação geral que transcende a ciência do Direito, preocupando sociólogos, antropólogos, psicólogos, economistas, políticos e a sociedade como um todo, que pode ser resumida numa indagação fundamental para o estudo da crise do processo, trazida por CAPPELLETTI, qual seja, a de “a que preço e em benefício de quem estes sistemas funcionam?”.